sábado, 8 de março de 2014

Intercâmbio - a despedida

Minha mãe um dia me perguntou qual lugar do mundo eu gostaria de morar, depois de tantos lugares maravilhosos que eu já havia conhecido, qual deles havia mais me encantado. 
-Se eu pudesse escolher seria Bragança, eu eternizaria Bragança.
Bragança é a cidade ao norte de Portugal que eu fiquei um ano estudando como intercambista. E quando eu acabei de dizer isso para minha mãe, eu pensei o quão boba eu era. Como eu iria eternizar Bragança? Como se eterniza uma coisa que já é eterna? E foi nesse momento, puxando malas e conversando com a minha mãe em uma ladeira no Porto, que eu percebi que eterno não é aquilo que dura para sempre. Eterno é o invisível que se torna tão visível quando puxado das lembranças. O invisível são os sentimentos, os momentos, as imagens que só a cabeça de quem passou por determinada situação é capaz de reproduzir. Eterno pode ter a duração de um segundo ou muito mais. Eterno pode ser um beijo, uma pessoa, um lugar, uma viagem. Eterno é o que você não esquece, independente do tempo ou da distância. O eterno é aquilo que dura no coração. Por isso, o meu intercâmbio já era eterno desde o momento que eu pisei em Bragança. E aí eu me lembrei do café-bar que os estudantes de Erasmus iam quase todos os dias se encontrar na minha Bragancinha. Eu me sentia na Malhação, indo para o Gigabyte...hahahaha. Mas a minha segunda casa se chamava Momentos e sempre que eu ia para lá eu olhava para a parede e lia: "O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis." Isso, Fernando Pessoa me entenderia perfeitamente.
Me lembro que quando saí do Brasil, eu fiquei pensando como eu iria me adaptar a uma cidade com cerca de 25 mil habitantes. Logo eu que era tão urbana e que gostava tanto do agito e do cheiro das cidades grandes. Hoje eu vejo que eu me não me conhecia bem. Lembro também que meu coordenador do Brasil em uma reunião com os futuros intercambistas, nos disse: "Não achem que vocês foram escolhidos porque vocês são os melhores, mas vocês estão indo para se tornar pessoas melhores."
 É fato que não se pode comparar a estrutura de uma cidade pequena da Europa com a estrutura de uma cidade pequena do Brasil. Quando eu cheguei em Bragança, vi um lugar limpo, tranquilo, uma cidade que gira em torno da universidade e que oferece tudo o que uma pessoa precisa para viver. Percebi então que eu poderia sim me adaptar a um lugar pequeno, aquele que seria minha casa por um ano. Era um mundo diferente do que eu estava acostumada. Eu nunca pensei caminhar sozinha por ruas desertas depois de meia noite. Mas Bragança me oferecia a segurança que eu, brasileira, não achava que encontraria em lugar nenhum.
Eu fui pra faculdade, eu estudei, eu assisti aulas com ótimos preofessores. Eu conheci boa comida, eu viajei, fui para festas e vi muitas despedidas. Conheci o novo e tive uma nova visão do antigo. Eu entrei em contato com diferentes culturas e dividi a minha.
E foi olhando pra trás que eu entendi o porquê de ter sido Bragança o meu destino. Porque lá eu encontrei tudo o que eu queria e precisava no momento. Eu fui para Bragança porque eu tinha que estudar no IPB, porque eu tinha que ir para o lugar que possui o espírito acadêmico mais forte do mundo. Quando eu tinha 11 anos e comecei a ler os livros do Harry Potter, meu sonho era receber a carta para Hogwarts...hahaha. Recebi coisa melhor, recebi uma carta de aceite para estudar em Portugal, que foi uma das inspirações de J. K. Rowlling. Sim, existe um lugar em que as pessoas utilizam aquelas capas e trajes, existe um lugar em que os alunos são separados em escolas, as quais eles defendem arduamente e dão a vida por elas. E eu estudei nesse lugar, em uma das inspirações da autora do meu personagem de adolescência preferido.
Eu tinha que ir para Bragança porque eu tinha que conhecer a Vik, o Belito, o Edd, o Claudio, o Machado, o Thallison, o Raphael, a Camila, o Gokhan, o Hugo, a Ema. Eu tinha que dividir quarto com a Suelen, eu tinha que conhecer a Turma da Charabanada(o melhor grupo do whatsapp!), brother, eu tinha que conhecer a CHARABANADA( se você não conhece, CORRE pra Bragança...hahaha). Eu tinha que conhecer o Wellinton, o Guilherme, o Oscar, o Yuri, a Jéssica, a Carolina, a Mag, o Lívio, o Carlos, o Tomek, o Miguel. Eu tinha que ter uma segunda casa chamada Momentos. Eu tinha que conhecer as mexicanas, os brasileiros de várias partes do nosso país que moravam lá, os milhares de turcos que se tornaram nossos amigos e que deram pouso para mim e para a Vik na Turquia inteira. Eu tinha que conhecer os polacos e os portugueses, obviamente. Eu tinha que ajudar a organizar as Baladas Loucas e a Pau Quebrante. Eu tinha que conhecer aquela cidadezinha incrível que me fez questionar sobre a minha paixão por cidade grande. Eu tinha que conhecer melhor meu Brasil através de Portugal. Eu tinha que me conhecer melhor.
O intercâmbio é tão intenso que pode ser comparado a uma vida toda. Você chega no lugar, e essa é a hora em que você nasce ali. Como uma criança, começa a aprender a língua, os caminhos, as maneiras e os costumes do local. Começa a reconhecer quem vai ser sua nova família. Normalmente nessa fase, tem sempre alguém te acompanhando, pessoas sempre junto de você que estão ali para te dar uma mãozinha. Afinal, você ainda nem sabe quais ruas deve virar. Aí você cresce, e não precisa mais que ninguém esteja na sua cola, essa é a fase da adolescência, você vai para faculdade, tem compromissos, e se diverte, vai para baladas, faz amigos, tem romances. Aí você reproduz, reproduz momentos, histórias, alegrias, tristezas, todas as emoções ao mesmo tempo. E aí chego o final. Você passa a não ser mais quem era, sua visão muda. Seu jeito de agir muda. Você passa a entender que existem coisas mais importantes dos que as que você julgava que eram.
E foi assim, aprendendo tantas lições de vida, que eu aprendi uma de final de vida. Porque no dia do fim do meu intercâmbio, o que menos importava eram quais bens materiais eu tinha adquirido e estava levando para o meu país. E essa foi a pergunta que eu mais escutei quando cheguei ao Brasil: " Trouxe muita roupa? Trouxe muita roupa de frio? Com qual celular você está? Tablet? Notebook?" Na verdade, quase todas as roupas que eu comprei lá, eu deixei para as outras pessoas que iriam chegar. Muitos brasileiros iriam para Bragança, e é normal que nós do país tropical não tenhamos muitas roupas de inverno decentes quando chegamos em um lugar frio como Bragança é.
E na verdade, quando eu estava indo embora e dando adeus para as pessoas, eu percebi que o mais importante que eu deixava eram aquelas pessoas, e os momentos que elas dividiram comigo. E o engraçado, é que eu não estava deixando de fato. Na verdade, eu estava deixando e levando comigo. Deixando com os meus amigos e levando comigo os sentimentos que compartilhamos, o que aprendemos juntos, as mais diferentes experiências que vivenciamos e todo o amor que nos unia. E eu me senti extremamente grata a todas aquelas pessoas que saíram embaixo de chuva, de neve de suas casas e foram até a minha ou até a rodoviária para me dar um abraço e desejar coisas boas. Eu me senti extremamente grata por ter gente chorando comigo, aqueles mesmos que riram comigo quando eu estava feliz. Eu me perguntei porque eles estavam ali, porque tinha gente me esperando no aeroporto no Brasil e como eu estava feliz de ter tanta gente boa do meu lado. Esse laço invisível que impulsiona as pessoas a saírem de suas casas e irem encontrar quem elas amam foi a coisa mais impostante que eu tive no intercâmbio. E eu nem preciso de mala para isso, esse sentimento vem junto, tá no coração. Foram muitos ensinamentos, momentos, sentimentos multiplicados por mil. São amigos e amores. E é na despedida que você vê quem realmente vai fazer falta, o quanto você gosta de pessoas que talvez você nem imaginava que gostava. Despedir dos amigos é complicado, e imagina se despedir da pessoa que você é apaixonada e tem um relacionamento.
No dia da minha despedida, eu descobri que aquela pessoa que eu gostava tanto me roubava. Naquele exato momento eu descobri que quem vinha me roubando era ele. No início, pequenos furtos, depois ficaram maiores. Eu fiquei indignada de ser brasileira e de ter tido o descuido de deixar um europeu me roubar daquele jeito. Eu que me cuido tanto e que sempre ando agarrada com a minha bolsa. Na hora de me despedir, eu descobri que a pessoa que eu estava apaixonada, me roubava. Ele era ladrão. Ele roubou um pedaço do meu coração, do meu tempo, dos meus pensamentos e da minha vida. 
Intercâmbio é vida, é aprendizado, é ensinamento . E se eu pudesse escolher, seria Bragança dez mil vezes!

#vaiserfeliz

Nicole Werneck.









Nenhum comentário:

Postar um comentário